É preciso ser muito humilde para viver de forma honesta com os seus próprios sentimentos. Por isso escrevo; para abrir meu coração, não para obter respostas. Para me sentir livre ao falar das minhas asperezas e das alegrias que muito transbordam em mim (Fred Elboni).
Animado, louco, foram 365 ligações imaginárias, um buquê de tulipas nunca enviado, um cartão daqueles que toca a melodia do filme Titanic ainda guardado, um beijo roubado que não aconteceu e enfim consegui um sim dela via mensagem de texto.
Minha menina como carinhosamente a chamo sem ela saber paralisa qualquer emoção, sonho com ela a mais tempo do que já contei, tenho fotografias mentais das covinhas do seu sorriso e seu jeito sexy de enrolar os cabelos com um lápis. Cada vez que ela desfila com os ombros a mostra, bermuda desbotada, camiseta branca e sandálias rasteirinhas eu imagino sua mão entrelaçada a minha andando sobre o luar e fazendo confissões para todo o sempre.
Do café que fica do outro lado da rua e onde eu trabalho, vejo todos os caras de cabelo modelado com gel e com super carros oferecendo carona a ela, dos trinta e cinco que já contei nenhum conseguiu um sim. Não sei se isso me causa animação ou me desestimula de vez. Se com marcas luxuosas não há interesse imagina se há chance para um moço que limpa mesas e escreve músicas à noite.
Certo dia, quase nove da noite, enquanto terminava de polir o balcão na companhia de três bom senhores que contavam histórias, ela apareceu – 365 dias a observando como um bobo ainda tenho arritmias descompassadas quando a vejo. Sentou na minha frente, pediu algo quente, me olhou, mas não me viu, murmurou palavras abstratas, limpou as lágrimas com a manga do suéter e silenciou.
O que fazer? Colocar ela em meus braços e cuidar até adormecer? – Seria perfeito se eu não fosse um desconhecido, anônimo, inominado. O que dizer? Que ela é linda e com os olhos vermelhos fica ainda mais charmosa, mas que não deve chorar mesmo assim, pois as covinhas do seu sorriso sempre será a minha melhor escolha para o realce da sua beleza natural? – Já falei que seria perfeito se eu não fosse um desconhecido e blá, blá, blá. Coragem homem! – Meu lado romântico desesperado diz.
Enquanto perdido sem me decidi, ela começou a desabafar e silenciosamente ouvi falar pausadamente sem parar sobre o pouco dinheiro pra continuar pagando a faculdade e suas despesas longe de casa, ouvi ela contar sobre ter andado o dia inteiro atrás de emprego e não conseguir nada, ouvi seu sorriso ao se ironizar sobre a realização dos seus sonhos e ouvi ela lamentar o fato de só conhecer caras idiotas que só querem a levar pra cama quando o que ela quer mesmo é ser levada a sério.
Servi cappuccino e pra acalmá-la coloquei Beatles – na esperança que ela conseguisse traduzir a letra ali mesmo e sacar minha indireta – os três senhores levantaram a sobrancelha, mas ela sorriu e pra minha sorte, o que não tenho muita, ela disse, dois pontos “John Lennon era pra ser o homem da minha vida, maldito seja Mark Chapman saca?” Saco, mas saco é você não me dar seu telefone, sou um cara legal, tocaria e cantaria John Lennon a noite inteira só pra você se sentir mais perto dele, então o que acha? – Pensei.
Ela colocou a nota de cinco em cima do balcão, disse gentilmente que o troco era meu por ter sido um bom ouvinte, enrolou os cabelos em um lápis, vestiu o casaco preto, colocou o cachecol no pescoço e saiu. Meu amigos e cúmplices senhores me olharam como quem dizem “reage meu filho”. E como quem de súbito decide viver fui atrás dela, corri e me posicionei em sua frente, 365 ensaios e consegui dizer: - Me desculpe, desculpe o silêncio, eu queria ter dito tanta coisa, mas não sou muito bom com as palavras, na verdade, é, droga, bom, como, qual... ãm... Ela sorriu – Gabriel, certo? Eu vejo você, sempre chega às 6:30 com sua jaqueta preta, violão no ombro, cabelo bagunçado, nas horas vagas senta em uma mesa e dedilha Wish You Were Here do Pink Floyd – Retirou o lápis do cabelo, anotou o número, sorriu com direitos covinhas e finalizou – Esse é meu número e é uma prazer finalmente dá-lo a você. Se cuida. A gente se vê.
E nos vemos mesmo. 365 dias depois. Enquanto compro um buquê de tulipas, um cartão que toca a música do Titanic, minha menina me espera do lado de fora com o cabelo preso - do jeito que gosto - apareço, lhe roubo um beijo e confesso em sussurros que irei amá-la mais do que amei durante um ano de silencio e um ano ao seu lado. Ela sorri, diz que já me amava sem saber. Com um lado da mão segura meu violão e a outra entrelaça meus dedos seguimos caminhando em direção ao luar, que descobrimos é o nosso lugar: A nossa casa.